Resenha: Hibisco Roxo – Chimamanda Ngozi Adichie

11 janeiro 2016


A história é contada através de uma adolescente nigeriana de 15 anos chamada Kambili. Ela relata o seu dia a dia e a sua relação com a família, que é composta pelo pai, apelidado de Papa; a mãe, Mama; e o irmão mais velho, Jaja.

O cotidiano desse família gira em torno do pai, que é um fundamentalista católico; que foi convertido quando ainda jovem por conta da colonização inglesa, estudou em escola católica, e, por causa disso considera essa a religião de pessoas civilizadas. A família é de etnia igbo (pronuncia ibo), que é um dos maiores grupos étnicos africanos. Apesar de o pai naturalmente falar igbo, socialmente, pensa que o correto e o aceitável para pessoas civilizadas é falar inglês, por isso evita falar igbo em público, usando-o apenas em casa, em poucas ocasiões.

A família mora em Enugu, que é a capital do estado de Enugu, na Nigéria, e é uma família extremamente rica, porque Papa começou a trabalhar desde cedo, quando ainda estudava, e, com o seu esforço, criou fortuna e tornou-se dono de várias fábricas em Enugu e do jornal “Standard”. E, por causa dessa fortuna, ele é um homem muito importante na cidade e também muito generoso, que faz várias doações para a igreja e suas causas, para hospitais, e para a população em geral que o procura em busca de ajuda.

E, pelo fato de os seus filhos, Zambili e Jaja, têm boas condições de vida, estudarem em escolas católicas particulares, e por serem abençoados por Deus, devem se esforçar para retribuir essa benção de Deus, devem ser os melhores na classe de aula, sendo inaceitável algo menor que o primeiro lugar no ranking entre os alunos. Zambili vai nos contar sobre a pressão para conseguir atingir essa meta imposta pelo pai, e o problema quando um dos filhos não conseguia atingir o primeiro lugar na classe. A reação é violenta, literalmente.

Ela fala também sobre os horários rígidos que ele formulava para os filhos. Zambili e Jaja têm horários para tudo, que se resumia basicamente em tempo para ir à igreja, estudar, e ficar com a família. Embora eles tenham televisão e som em casa, não têm autorização para usar. Ela é uma garota solitária que não tem amigas na escola. Além de ser muito tímida, não tem tempo a perder depois da aula para conversar com as outras meninas.

Mas, não podemos pensar que Kambili não gosta do pai. Kambili demonstra um misto de respeito e admiração por ele, afinal de contas, Papa é um benfeitor da comunidade. Kambili vive uma vida a base do medo, tentando acertar e agradar ao pai para ver o orgulho em seus olhos.

Os irmãos têm uma relação boa, mas também não conversam abertamente sobre o que pensam e o que sentem. Conversam através de olhares. São unidos pelo silêncio sobre o que acontece em casa.

Já Mama, é uma mulher submissa que vive para o pai, para atender a tudo que ele quiser. Vai à igreja, cuida da casa, cuido dos filhos e sofre penalidades se sequer cogitar questionar o que Papa determina. Está tentando engravidar há anos do terceiro filho, e corre boatos entre o povo de que Papa deveria arrumar outra mulher e ter filhos com ela, já que Mama não consegue engravidar. O problema é que o povo não sabe que ela já teve vários abortos, nem sempre por culpa dela. Mas Mama agradece a Papa e sente-se feliz por ele não ter ouvido o povo e preferir ficar com ela e não ter outra família.

Nesse sentido, Papa (Eugene) é um homem muito devoto à família. Apesar de violento quando acredita que foi desobedecido (não raras vezes), ele ama os filhos e deseja o melhor para eles. Quando age com violência em casa, ele também sofre por ter que agir assim, porque pensa que está fazendo o que é certo, o que é melhor para eles. Eles devem ser punidos por irem contra Deus, e devem rezar por perdão pelos pecados cometidos.

Eugene não aceita se relacionar com as pessoas que não se converteram ao catolicismo, que ele considera pagãs, porque são pessoas que não querem aceitar o verdadeiro Deus e podem influenciar as outras a cometerem pecados. Ele reza para a alma dessas pessoas não irem para o inferno. E entre essas está o seu próprio pai, Papa Nwukwu, com quem ele não se relaciona mais porque se recusa a se converter. Papa Nwukwu já é idoso, está doente e, embora Eugene viva distribuindo dinheiro para o povo, dispensa pouquíssima ajuda ao pai, que vive em precárias condições de vida, com o mínimo para sobreviver. O fato de o pai ser pagão também priva a relação do avô com os netos, que têm apenas 15 minutos para ficar com o avô quando o visitam, não podendo comer ou beber qualquer coisa de sua casa.

Além do avô, há também a irmã de Eugene, Ifeoma, e seus três filhos, Amaka, Obiora e Chima. Ifeoma é viúva, professora universitária, e mora com os filhos em Nsukka, cidade-universitária da Nigeria. A universidade está passando por problemas administrativos, sem condições de oferecer educação de qualidade para os alunos, sem condições mínimas para funcionamento (falta água, luz e gasolina no campus) e, por isso, há protestos por parte dos alunos e de alguns professores contra a administração. Ifeoma é uma pessoa articulada, contestadora, que apoia e incentiva o discurso livre entre os seus filhos e a liberdade de expressão. Mas, por conta da profissão, vive em péssimas condições de vida em Nsukka.

Quando a tia e os primos vão visitar a família em Enugu, Kambili fica admirada e ao mesmo tempo assustada com os seus primos quando os veem comendo e conversando, com tanta naturalidade, rindo e discutindo. Ela não sabia que as pessoas conversavam. Em sua casa, ela abria a boca apenas para responder às perguntas do pai. Kambili e Jaja não podem falar quando querem, não podem se expressar. Ela não sabe conversar. Ela vive como espectadora.

Mas a mudança na sua vida começa a acontecer quando tia Ifeoma pede a Eugene que deixe os filhos passarem as férias em sua casa para os primos se conhecerem melhor. Ifeoma também é católica, mas aceita bem a religião do pai, a tradicional. E usa a religião como desculpa para conseguir a aprovação de Papa. Jaja e Kambili vão para Nsukka e vão conhecer um novo mundo, muito mais precário, muito diferente da vida luxuosa da sua casa, mas também libertador.

Kambili vai aprender a se socializar, a deixar de ser apenas observadora. Vai conquistar pessoas e desenvolver amizades. Destaque para a sua prima Amaka, da mesma idade, mas muito diferente de Kambili. Garota extrovertida, de opinião forte, que fala o que pensa e usa roupa e maquiagem própria de adolescentes, não o que Kambili estava acostumada a usar.

Vai conhecer também o padre Amadi, pessoa que vai passar a ter grande importância na sua vida. Padre Amadi é missionário e atua onde a igreja o mandar. Mas, apesar de padre, católico e falar inglês, não ignora a língua nativa, o igbo, e as crenças e costumes tradicionais. Ele adora cantar músicas em igbo entre as orações (que para Eugene não era coisa de pessoa civilizada), e vai apresentar a Kambili uma outra forma de ver a religião.

Tia Ifeoma tem hibiscos roxos plantados em seu jardim, que são flores experimentais, diferentes do hibisco vermelho comum que a família tinha no jardim em Enugu. E depois de vários dias em Nsukka, depois de vários acontecimentos, quando Kambili e Jaja voltam para casa, a tia oferece uma muda de hibiscos roxos ao sobrinho, que era apaixonado por plantas, para cultivar em casa. Hibiscos que significavam liberdade, não de fazer, mas de ser. As mudanças já haviam começado.

É difícil colocar no papel todos os detalhes da cultura nigeriana que a autora procurou passar através do olhar de uma adolescente. O livro aborda vários assuntos, que se mesclam e se completam, com uma linguagem que nos transporta para o outro país, como se estivéssemos lá ou como se fosse uma cultura com costumes naturais para nós, brasileiros, como expectadores ao lado de Kambili e fizéssemos parte daquela sociedade.

Ao mesmo tempo em que a autora usa uma linguagem muito fácil e simples de entender, ela consegue entrelaçar com muita habilidade vários questionamentos a respeito da desigualdade social, da intolerância religiosa, da sociedade machista e patriarcal, da ditadura militar, da violência doméstica, da qualidade da educação, e de outros problemas mais que estão inseridos naquela sociedade. E, infelizmente, em alguns momentos do livro, a verdade é tão crua, que ficamos horrorizados, como se esses problemas estivessem muito longe de nós, em outro continente, apenas.   

Livro excelente, recomendadíssimo, que te dá um sutil soco no estômago.

Nota: 5/5 (Excelente)

ISNB: 978-85-359-1850-2
Editora: Companhia das Letras
Páginas: 324
Ano:2011


E aí, você já leu? Poste aqui seu comentário!

Até mais! Fabi

11 janeiro 2016
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2 comentários:

  1. Terminei o livro. Muito bom!
    Kambili pra mim representa a cultura europeia. Ela nem fala no começo. O q me dava uma raiva. Vontade de balancar ela para ver se ela reage. Com o tempo ela vai pegando cor , tomando voz... Achei uma forma legal pois se a Kambili, como
    narradora, fosse branca no livro acho q ela nao teria liberdade de tocar em alguna temas sem sair do "politicamente correto" Muito interessante e muito dramatico. Nao irrita ninguem as palavraa em Igbo? Na lingua q li tia um monte de plavraa nessa lingua o q me cança... Mas valeu demais pela dica!!!! Nao conhecia! Quero ler mais da autora :-D

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    Respostas
    1. Que bom que gostou! Dá vontade de sacudir a Kambili mesmo para ver se ela reage. Rsrsrs É interessante a questão da interpretação, como cada leitor se prende a um detalhe.Também é difícil expressar tudo o que o livro nos faz sentir e pensar. Obrigada pela visita!!! =D Beijo

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